© 2009 Arautos do Evangelho

Originalidade, cientificidade e experiência

“Quiçá pela primeira vez [no ‘Angelicum’], o próprio fundador, de modo científico, apresenta a história e a atualidade dessa realidade eclesial que, sob a moção do Espírito Santo, nasceu também graças a ele”, declara o Moderador da Tese.

1 – ASPECTOS SALIENTES DA TESE

Na Constituição Apostólica Sapientia christiana, a qual atualmente regulamenta as universidades eclesiásticas, quando trata do ciclo do Doutorado, lemos: “Para obter o Doutorado requer-se também uma dissertação doutoral, que represente uma efetiva contribuição para o progresso da ciência, e que tenha sido elaborada sob a orientação de um professor e publicamente defendida e colegialmente aprovada; e, ainda, que tenha sido publicada, ao menos a sua parte principal”.

História e atualidade de uma realidade eclesial apresentadas pelo próprio fundador

Os efeitos que ela produz na ordenação canônica, isto é, a habilitação para ensinar em uma faculdade e a idoneidade para ocupar os mais altos cargos eclesiásticos,2 sublinha seu valor e sua importância no sistema dos estudos eclesiásticos: ela deve ser fruto de um autêntico trabalho de investigação, e não se limitar a uma mera compilação.

Pela norma atual, permite-se defender a tese de Doutorado depois de um ano de inscrição no terceiro ciclo. Porém, esse tipo de trabalho científico requer tempo e, sobretudo, experiência, a qual só se conquista, a nosso ver, após uma iniciação no ensino como assistente de outro professor, ou num seminário maior, o que, de resto, está contemplado na legislação sobre a matéria (cf. Normæ quædam de 20-VI-1968, n. 44, c).

Chega-se normalmente a esse estágio após longos anos de estudo, ou então pela familiaridade com o objeto da própria pesquisa, numa idade já madura, diversamente do que costuma ocorrer nos sistemas universitários civis.

Pois bem, originalidade, cientificidade e experiência se conjugam de modo todo particular no presente trabalho do Mons. Scognamiglio Clá Dias, enquanto, quiçá pela primeira vez, o próprio fundador, de modo científico, apresenta a história e a atualidade dessa realidade eclesial que, sob a moção do Espírito Santo, nasceu também graças a ele.

Assunto crucial abordado sem preconceito

Ao mesmo tempo, o autor toma em consideração e apresenta algumas possibilidades para, no futuro, haver um reconhecimento canônico de outra índole do movimento Arautos do Evangelho, a fim de melhor salvaguardar a unidade do carisma recebido. Aspecto sensível ao coração de quem tem a consciência de ser “pai” e “responsável” daquilo que lhe foi confiado pela Providência Divina para o bem de toda a Igreja, mas igualmente importante para os que escolheram abraçar tal carisma, e também para aqueles que, na Igreja, exercem o serviço da autoridade em nome de Cristo.

Dada a componente social da Igreja, é, pois, de uma importância crucial resolver a relação entre “carisma” — “carisma-instituição” — “institucionalização do carisma”, e para isso serve o auxílio precioso e indispensável da ciência canônica, coisa que o candidato compreendeu e aplicou plenamente, sem nenhum tipo de preconceito ideológico, ao qual, infelizmente, estão expostos muitos na Igreja, ontem como hoje, que opõem a Igreja da Caridade e do Espírito à Igreja instituição e do direito.

Uma nova categoria jurídica, que salvaguarde a unidade do carisma

Da apresentação que acabamos de ouvir, surge o esquema da pesquisa realizada a partir da análise da realidade associativa na Igreja e das várias formas de reconhecimento canônico (c.I: p.13-125), para contin­­­uar no capítulo seguinte com a exposição da gênese e do desenvolvimento do carisma dos Arautos do Evangelho (c.II: p.126-233); e concluir com o exame analítico do carisma, da espiritualidade e das finalidades dos Arautos (c.III: p.234-287).

Nas conclusões, o candidato, à luz da pesquisa realizada, propõe a elaboração de uma nova categoria jurídica que salvaguarde a unidade do carisma. Com efeito, na situação atual registra-se uma “fragmentação” do carisma dos Arautos em várias entidades juridicamente independentes (cf. p.292) e se pergunta, pois, se será suficiente um simples “vínculo” espiritual entre as ditas realidades para garantir no futuro a unidade (cf. p.293).

O candidato estuda amplamente, e de modo científico, toda a questão, partindo do direito vigente e examinando a história dos vários reconhecimentos canônicos dos Arautos do Evangelho, mas ao mesmo tempo pondo-se numa perspectiva de iure condendo.

Mesmo se, antes da publicação, devam ser revisados alguns pontos, o trabalho merece ser publicado integralmente ou em parte, à discrição do candidato, após serem efe­­­tuadas as correções indicadas pelo Moderador e eventualmente pelo Censor. Por certo, tal publicação contribuirá não só para o bem dos Arautos do Evangelho e para o conhecimento da sua própria história pelas gerações futuras, mas também servirá para que muitos, entre o povo de Deus, tomem consciência da importância, nessa matéria, de serem animados pela fé e pela busca sincera da vontade de Deus, que não desdenha nem rejeita os instrumentos jurídicos, mas pelo contrário, os utiliza com o espírito de liberdade dos filhos de Deus, sempre na obediência ao Vigário de Cristo e ao Colégio episcopal.

II – Perguntas e respostas

Pe. Bruno Esposito: Na p.29, nota 58, citando João Paulo II, acena-se para a distinção entre “carisma originário” e sua passagem ao movimento. Que pensa sobre isso? Há uma diferença entre o “carisma de fundador” e o “carisma da fundação”? A propósito de tudo isso, o que pensa sobre o papel da autoridade eclesiástica e a justificação teológico-jurídica?

Mons. João Scognamiglio Clá Dias: O assunto “Fundadores” tem sido estudado, sobretudo, depois do Concílio. Mas, na realidade, os fundadores e as fundações existem praticamente desde o começo da humanidade. Deus age sobre os homens, na maior parte das vezes, de forma indireta, fazendo com que uns conheçam a verdade através de outros. E é dentro deste jogo de relacionamento dos homens com Deus que surgem os fundadores.

Tomemos, por exemplo, no Antigo Testamento, Elias. Ele é considerado fundador da ordem carmelitana. Perante Acab e Jezabel, ele manifesta um carisma muito combativo, enérgico e vigoroso, e até militante. Propõe uma disputa com os profetas de Baal e estes, tendo perdido a disputa, são mortos por ele. Nada mais nada menos, são 450 homens que Elias degola com o próprio braço.

Mas isto, assim, não faz parte do carisma da ordem carmelitana; não se pode afirmar que todo carmelita deva portar uma espada na mão. Portanto, podem existir, evidentemente, diferenças entre o carisma do fundador e o carisma institucional, porque o carisma institucional, o carisma da fundação, vai adquirindo seus contornos de acordo com as exigências do tempo.

Ocorre também, muitas vezes, haver um sopro do Espírito Santo sobre o fundador que não se repete com os seus seguidores. Estes têm parcelas do carisma, mas é muito raro na História que um seguidor receba a totalidade dos dons do fundador. A instituição, no seu todo, se encontra na fonte do carisma, que é o fundador. Sempre que uma ordem religiosa, um instituto ou uma associação se afasta do carisma inicial, a obra fenece porque o Espírito Santo dá graças superabundantes se houver essa ligação inteira entre a instituição e o carisma do fundador.

Então, há diferenças entre carismas do fundador e da fundação? Em aspectos secundários, sim, mas a essência deve ser sempre a mesma.

Quanto à justificação teológico-jurídica do carisma, o assunto é muito debatido, mas, a meu ver, se resolve de forma muito simples, porque, afinal de contas, tudo é Igreja, tudo é moção do Espírito Santo.

Quem suscita o fundador é o Espírito Santo. Quem suscita a instituição é o Espírito Santo. Quem vai tomar o fundador e a instituição, e dar-lhe uma formulação jurídica própria que lhe dê solidez, este será o jurista, não há dúvida. Mas o jurista deve ser soprado pelo Espírito Santo também, porque a Igreja, quando vai se pronunciar a respeito deste assunto, ela precisa gozar de um apoio especial do Espírito Santo, para que não haja um equívoco.

Então, o fundador deve ser inspirado pelo Espírito Santo a ter confiança na instituição e ter confiança na jurisprudência. A instituição deve confiar no fundador e na jurisprudência. E aquele que vai usar seu conhecimento de direito canônico para encontrar a formulação jurídica adequada, deve ser assistido pelo Espírito Santo a fim de compreender quais são os anseios do fundador e a finalidade pela qual o Espírito Santo inspirou essa fundação.

O ramo sacerdotal faz parte do carisma?

Pe. Bruno: Na p.190 diz-se que uma associação privada de fiéis, não podendo incardinar ministros sagrados, corre o risco de ver dissolvido o carisma: poderia explicar melhor essa afirmação? Ademais, na conclusão (cf. p.291), fala-se do ramo sacerdotal. Afinal, seu surgimento faz parte do carisma ou é efeito de uma necessidade prática: prover assistência espiritual aos associados?

Mons. João: Em certo momento, o Movimento cresceu tanto que já não era possível contar com uma assistência espiritual externa. Inclusive, porque o próprio carisma poderia sofrer certa descoloração, ou seja, poderia ser desvirtuado por certos sacerdotes. Infelizmente, tivemos várias experiências negativas nesse sentido. Foi então por uma razão prática — administrar os sacramentos aos próprios membros — que se criou o ramo sacerdotal.

Mas o Espírito Santo sopra onde quer, como quer e nos momentos às vezes menos esperados. Aconteceu que, uma vez constituída a Sociedade de Vida Apostólica Clerical Virgo Flos Carmeli, seus membros deram-se conta de que o carisma dos Arautos não podia ser alheio ao sacerdócio. Porque, uma vez que nosso carisma se caracteriza por uma peculiar visão de todo o universo, e uma vez que não é possível sacralizar o mundo sem a mão e a bênção da Igreja, era necessário existir um ramo sacerdotal dentro da Instituição. Com a ordenação de arautos presbíteros, o carisma se tornou muito mais sólido, muito mais penetrante, muito mais amplo e, portanto, muito mais eficaz.

Começou-se por uma razão prática e hoje se chega à conclusão de que, de fato, o ramo sacerdotal é indispensável a este carisma.

Finalidade laical ou “consecratio mundi”?

Pe. Bruno: Nas p.290-291 se fala de “finalidade laical” e, depois, da finalidade como “consecratio mundi”: trata-se de um lapso ou gostaria de nos explicar o que entende por isso?

Mons. João: Tive a ventura de conhecer muitos dominicanos, sobretudo espanhóis. Aqui em Roma, foi me dado constatar o quanto o padre Raimundo Spiazzi era uma figura luminar. Tratei muito com o padre Fernando Castaño, durante os três períodos nos quais ele foi reitor desta Universidade, além de ter estado com ele muitas vezes também na Espanha.

Com quem mais convivi foi com o Pe. Antonio Royo Marín, OP, e sobretudo com o Pe. Victorino Rodríguez y Rodríguez, OP.

Pe. Royo abriu-me inteiramente as janelas — muito amplas — da Teologia e através delas foi-me dada ocasião de compreender com profundidade a importância essencial do ministério sacerdotal. Prova dessa amizade é o fato de ele ter nos tornado herdeiros de sua biblioteca e escritos pessoais.

Com o Pe. Victorino, discípulo perfeito do Pe. Santiago Ramírez, OP, mantive também um relacionamento riquíssimo, durante o qual muito aprendi.

Nas conversas com eles todos, e em suas aulas e exposições, os temas eram sempre elevados e de ótima substância. Foi através desse convívio que eles foram me abrindo os horizontes.

Mas o que mais me tocou a fundo e me deu ideia a respeito da universalidade desse carisma, foi o convívio com o Professor Plinio Corrêa de Oliveira. No seu livro Revolução e Contra-Revolução, ele analisa todo o processo revolucionário ao longo da História, desde a Idade Média até os dias de hoje, chegando ao comunismo e à IV Revolução, que é o tribalismo. Foi analisando esse estudo, entre outros, e sobretudo pelo fato de poder acompanhá-lo bem de perto, ao longo de quarenta anos, que, mais tarde, me ficou patente quanto nosso carisma deveria se aplicar a tudo.

Ora, sempre tive um respeito muitíssimo grande pelas pessoas consagradas. Para mim, um sacerdote era um Anjo. Fosse ele quem fosse, pelo fato de ser um ministro de Deus, ficava marcado com um selo todo especial, acima da ordem da Criação. E compreendia perfeitamente aquela afirmação de São João Batista Vianney, segundo a qual, ao se disporem a entrar por uma porta um Anjo e um padre, o sacerdote deveria passar na frente enquanto o Anjo aguardava. E, portanto, ficava um receio meu de querer sacralizar também a ordem espiritual.

Porém, depois da abertura do ramo sacerdotal, tornou-se compreensível que a consecratio mundi comportasse também uma, por assim dizer, consecratio cleri.


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