© 2009 Arautos do Evangelho

O carisma e o exemplo do fundador

“A sua Tese é suficientemente robusta, a ponto de indicar com precisão milimétrica a espiritualidade e a força da santidade que o animou desde o início”, afirma o Censor em seu parecer.

I – Observações de caráter crítico positivo

Mons. João Scognamiglio Clá Dias, li com atenção e profundo interesse a sua Tese. A sua família cresce a cada dia e não é possível estar diante de um fenômeno tão vistoso sem se perguntar sobre o porquê de tão grande graça. A gentileza, a compostura, a elegância e o fino trato dos Arautos que, por graça, pude conhecer, não poderiam não suscitar uma sadia curiosidade em nós. Assim sendo, quando padre Bruno Esposito entregou-me sua Tese, primeiro a li com avidez a fim de saciar minha curiosidade; mas, depois, com espírito crítico o que, no nosso caso, não possui nenhuma conotação negativa. Pelo contrário.

Peso espiritual e envergadura eclesial de sua opção

O Papa Honório III ao aprovar e elogiar a obra de São Domingos, afirmou que a sua luta “unia os tempos antigos aos tempos novos”. Acredito que os novos Movimentos Eclesiais, e o que tem origem no senhor em particular, preenchem, na maioria dos casos, mais que satisfatoriamente, estes requisitos. Explico: o seu movimento (Arautos do Evangelho) traz para o hoje da História a beleza, o gosto pelo grande e majestoso, o discreto rigor disciplinar, e sobretudo o entusiasmo inocente dos primeiros tempos e anos da Fé cristã.

A sua profunda espiritualidade (sua e dos seus filhos), marcada pela presença Eucarística, pela devoção mariana e pela, digamos, incondicional obediência ao Santo Padre, traduzem a vitalidade e força renovadora da Igreja de Jesus Cristo que no Credo professamos Una, Santa e Católica. Portanto, quer do ponto de vista do conteúdo, quer do ponto de vista formal, ou seja, pela elegância e pelo esmero em relação à língua de Camões traduzida para os filhos da Terra de Santa Cruz, a sua Tese merece “todo louvor”. Afirmo isso porque assim penso.

No mais, não poderia deixar de lembrar outro princípio, mas desta vez de profundas raízes evangélicas: dos frutos, diz a Escritura, “se pode conhecer o quanto é robusta a árvore”. O seu pessoal caminho de Fé, longo e por vezes difícil, como são difíceis todas as grandes coisas da vida, amadurecido à sombra da presença constante do Dr. Plinio — assim o senhor o chama —, de sua devoção, de seu afeto e firme entrega a Deus, gerou a obra que todos, hoje, chamamos de Arautos do Evangelho.

Assim como passando pelas obras podemos chegar ao Criador, por analogia, me seja consentido, passando da amigável conversação com seus filhos, cheguei logo (mesmo antes de ler a sua Tese) à consideração do peso espiritual e da envergadura eclesial da sua opção. Também por este motivo, no descrever seu longo caminho, sempre na terceira pessoa, o seu texto é brilhante e profundamente realista. Digamos: verdadeiramente convincente.

Um dos mais belos exemplos de perfeição possíveis neste mundo

Do ponto de vista da análise propriamente jurídica, constatei que o seu esforço foi admirável e que foi orientado pelos juristas mais renomados de ontem e de hoje. Admirável a sua explanação, orientada pelos doutos, das associações e da aceitação dos novos Movimentos Eclesiais no seio da Igreja, nestes tempos que são os últimos, isto é, os nossos. Tempos de Cristo: Único, necessário e insubstituível Salvador do mundo. D’Ele procede toda Graça: aquela que transforma os que já visivelmente lhe pertencem, assim como os que buscam a Deus de coração sincero e sem culpa, não podem reconhecer o seu Cristo.

O Cristo que seus filhos, sem temor, anunciam no hábito, na palavra, na presença constante na vida das entidades eclesiais, nos rosários rezados, nas revistas espalhadas em mais de uma língua e, sobretudo, por meio da “quase” perfeita liturgia. O “quase” se justifica: perfeita é a liturgia celeste que seus filhos orientados pelo senhor procuram com esmero imitar, ou seja, tornar presente no tempo. Para usar uma terminologia do Concílio de Trento: “representar”; no sentido de “re-apresentar”; ou ainda, como ensina o Concílio do Vaticano II, “memorial” das realidades eternas. A “via da beleza” que fere e desperta (Bento XVI), encontra, no estímulo que o senhor soube oferecer a seus filhos, um dos mais belos exemplos de perfeição possível nesse mundo.

Outra observação: o seu caminho espiritual, que desabrochou na Obra dos Arautos do Evangelho, não foi superficial e não beijou o chão da mediocridade: seus conselheiros, juristas e teólogos (muitos dominicanos) foram pontualmente indicados em sua Tese e os conselhos sabiamente colocados em prática. Deduzimos disso, a sua capacidade para a escuta e o desejo sincero de caminhar “na” e “com” a Igreja. A sua Tese deixa claro tudo isso. Mais. Deixa transparecer o desejo de indicar aos seus filhos este saudável caminho. A sua Tese é suficientemente robusta, a ponto de indicar com precisão milimétrica a espiritualidade e a força da santidade que o animou desde o início. Um exemplo: admirável a devoção a São Luís Maria Grignion de Montfort, sobretudo.

O carisma e o exemplo do fundador dão unidade ao movimento

Não podemos permitir que o tempo nos sufoque sem antes colocarmos em evidência os caminhos detalhadamente descritos, inclusive do ponto de vista jurídico, no processo de formação dos Arautos; mas não repetiremos, aqui, o que o senhor, com perícia e elegância ímpar, resume no último Capítulo e na Conclusão de sua Tese, mas que se encontra igualmente, pelo menos em parte, descrito em todo o texto.

Impressionou-me a palavra “flexibilidade”: é ela que revela a consciência de que o Espírito Santo age, organiza e reorganiza continuamente a vida e a obra do Povo de Deus. Assim também seus filhos, com o passar dos anos, amadurecerão ainda e outras modalidades de vida dentro de um mesmo carisma poderão surgir e encontrar na legislação, não um impedimento, mas uma segurança e, porque não dizer, um estímulo.

A Criatividade Divina é exemplar, é o direito que é limitado e não consegue seguir os passos velozes dos filhos da Igreja. Mas voltemos à Criatividade Divina: a Trindade Santa não Se cansa de criar e recriar, de colorir o cosmos e reanimar os filhos de Eva; portanto, poderá, ainda amanhã, fazer surgir dentro da “via da beleza” novas formas de vida, todas unidas, porém, pelo mesmo “carisma” e tendo diante dos olhos as fadigas do “fundador”. Destes dois elementos dependerá, sem dúvida, a unidade de todo o movimento: “o carisma e o exemplo do fundador”. Mas, mais do que isso, o que prevalecerá é a Vontade Divina de, por meio de novos Movimentos, dar vitalidade perene à Esposa de Cristo.

O Espírito suscita e mantém em vida o que contribui para o crescimento da Igreja e deixa caducar o que não conduz para este fim. Se os seus filhos mantiverem esta convicção, com certeza, para além dos nomes que as várias modalidades jurídicas podem oferecer, eles serão sempre “um”, mesmo sendo muitos.

“Nada tenho a acrescentar”

Em suma, o meu árduo trabalho, ou seja, o de encontrar as dobras ou falhas contidas na sua Tese foi reduzido a nada; isto é, caiu no vazio. O senhor foi perfeitamente coerente, do início ao fim, com os objetivos previstos; isto é, descrever A gênese e o desenvolvimento do Movimento dos Arautos do Evangelho e seu reconhecimento canônico. Inclusive quando descreve seu pessoal caminho espiritual, o faz com a finalidade de deixar claro o caminho percorrido pelos Arautos. Eles seriam incompreensíveis sem o senhor e sua pessoal caminhada de Fé.

Para concluir minha fala, e para que ninguém me acuse de ser longo demais no falar, desejo somente lembrar uma questão posta pelo senhor no final de sua Tese: não se trata de retomar toda a questão, o seu texto com certeza (os seus filhos não seriam assim indelicados) será publicado e todos encontrarão o que tentei resumir; o meu desejo consiste em repetir uma expressão: “o flash” (p.283). Pois bem, segundo nossa Fé, até o fim dos tempos, o Senhor não deixará de oferecer à Sua Esposa momentos de brilho e de particular luminosidade: é o “flash” que suscitará nos seus filhos o desejo de continuar sendo uma “única” família de “escravos de Maria” e de ouvidos abertos para escutar o “chamado da Sé de Pedro” para uma nova e vigorosa evangelização. Tudo isso, me seja consentido, são coisas excepcionais nos nossos dias.

Nada tenho a acrescentar.

II – Perguntas e respostas

Pe. Marcelo Neves: Uma pergunta: gostaria de saber como os dominicanos acabaram tão próximos do senhor e, ainda, se o senhor puder, gostaria de ouvir dos seus lábios como eles, para além dos conselhos, contribuíram para o amadurecimento do seu “instinto” de “Pai Fundador”.

Mons. João: Não era possível, tanto do padre Bruno quanto de sua parte, uma análise do trabalho tão benéfica, tão angélica — aliás estamos no Angelicum —, e tão profunda, demonstrando muita capacidade, muita cultura eclesiástica e jurídica que me fazem lembrar os dominicanos com os quais convivi. E pelos quais todos os dias — os Arautos são testemunhas — eu rezo nominalmente em minhas Missas, fazendo um elenco de todos eles, porque lhes devo muitíssimo.

Esse relacionamento teve início na década de 60, mais ou menos, quando em certo momento surgiu uma dificuldade canônica, e em certo sentido teológica, a respeito de dúvidas e críticas feitas a determinados pontos do nosso carisma. E eu me sentia afligido, porque estava concernido no caso e não sabia como resolvê-lo.

Lembro-me que Dr. Plinio recomendava ter confiança e previa que essas dificuldades iam se resolver facilmente. Um dia, cheguei cedo à cela do meu uso no Êremo de São Bento, sentei-me na cama, e vi um prédio diante de mim, com umas pedras um tanto amareladas, com uma porta característica, e me vi entrando por ela. Era uma porta grande, com outra estreita ao lado. Essa porta pequena abria-se e eu entrava num saguão, ia para um certo canto e, de repente, via sair um dominicano todo vestido de branco, com os braços elevados, sorrindo, com os cabelos grisalhos, vindo em direção a mim e me abraçando. Senti um arrepio e pensei: “O que será isso?”.

Passaram-se os dias e Dr. Plinio me diz: “Olhe, acho que você deveria ir para a Espanha e procurar um canonista para resolver esse caso”. Peguei um avião e fui para a Espanha. Cheguei à sede que tínhamos em Madri e perguntei: “Vocês conhecem algum canonista aqui?”. — “Sim, responderam, conhecemos um, mas mora em Salamanca”. — “A que distância fica de Madri?”. — “Quatro horas de carro”. Quatro horas para mim, no Brasil, é como tomar o bonde e descer na esquina.

Então fomos e, quando chegamos, olhei o prédio e tive um arrepio. Era aquele que eu tinha visto. Nunca em minha vida tinha estado em Salamanca. Quando abriram aquela portinha, entrei naquele saguão, pensei: “Nossa!… mas já vi isso aqui! Já conheço!”. Chegou então o padre Arturo Alonso Lobo — o canonista que ia nos atender —, só que não vinha com os braços elevados, nem me abraçou. Era um homem de uma luz intelectual excepcional. Fazíamos-lhe uma pergunta sobre algum assunto, ele dizia: “Escreva aí”, e ditava a resposta. Em seguida, tirava um livro da estante, abria-o e dizia: “Veja se o texto que ditei confere com o do livro”. Era tal e qual. Um homem genial!

Tive um “flash” com o padre Arturo e foi por intermédio dele que conheci o padre Victorino Rodríguez y Rodríguez e o padre Antonio Royo Marín, com os quais convivi longamente. Depois, padre Esteban Gómez, que estava voltando de Roma para Madri, padre Armando Bandera, enfim, vários outros na Espanha. Na Itália conheci um dominicano que não cito na Tese, pelo receio da prolixidade, mas que me encantou a mais não poder: Cardeal Mario Luigi Ciappi. Esse era um santo, um homem extraordinário, pró-teólogo de cinco Papas, e com o qual tive um bom número de contatos. Eu ia ao seu palácio, tocava a campainha e ele mesmo atendia à porta. Eram conversas de horas. Ele chegou a mostrar-me todo o palácio, convidou-me para a Missa que celebrava lá, enfim, foi um convívio agradabilíssimo.

Assim, foi dentro desse relacionamento que eles foram me abrindo os olhos para o mundo da Teologia, do Direito Canônico, da Filosofia, e posso dizer que tenho uma firmeza única em São Tomás e na doutrina tradicional e verdadeira da Igreja, em boa medida, por ação deles.

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